quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Devaneios (Augusto Simões)

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Lá de onde vem todo vento da gente
Toda corrente de ar
Lá onde voam as aves carentes
De um ninho para pousar
Hora me sinto tão triste, sedento
Só porque não sei voar
Se bem que às vezes consigo se penso
Como é bonito sonhar

Lá de onde vem todo vento da gente
Toda corrente de ar
Lá se maquiam arco-íres e nem sempre
São fáceis de enxergar
De que adianta beleza tão pura
Se não consigo olhar?
Mas se o céu fosse todo às escuras
Que sol iria raiar?

Lá de onde vem todo vento cortante
Toda avalanche de ar
Lá tão incerto, inquieto, inconstante
Onde nunca quis estar
De um lado os raios, energia tremenda
Nada de se esperar
Penso que toda essa grande tormenta
Dá sentido ao acalmar

Lá onde falta o vento inocente
Que horas pode se culpar
Onde não sopram as brisas, correntes
Não existe o arejar
E eu reclamando de um ar tão presente
Como é que eu vou respirar
Se sem você, minha brisa cortante,
Só posso me sufocar

Lá de onde vem toda brisa da gente
A que nos faz respirar
Onde as tormentas que encontram-se quentes
Tentaram nos resfriar
E se lhe soprar as palavras ardentes
E seu arco-íris brotar
Sinto que após, se o ar nos pertence
Podemos nos refrescar
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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Pobre Poeta (Augusto Simões)

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Pobre de um poeta que não tem capital
Pois se vivesse de poemas, certamente morreria
Pobre de um poeta que não tem capital
Pois as musas não são baratas e, sem elas, como faria?
Pobre de um poeta sem inspiração
Pois se sem capital é difícil, sem idéias como sê-lo?
Pobre do poeta sem aspiração
Pois tuberculose já não é mais moda, é só aperreio
Pobre do poeta sem mágoas
Pois que lembranças haveria este de contar?
Pobre do poeta sem lágrimas
Pois, sem sofrimento, o que iria lamentar?
Pobre do poeta sem rimas
Pois sem soar, não haveria de ser citado
Pobre do poeta sem linhas
Pois, ops! Ora! Sem estas ainda está a salvo
Pobre do poetas sem crenças
Esse sim, vive desesperado
Pobre do poeta sem veia
Pois, como seria tão ajustado?
Pobre de mim, poeta disfarçado
Pobre, sem musas, inspiração ou idéias
Pobre de mim, poeta descarado
Sem aspirações, magoas ou lamentações
Pobre de mim, poeta saudável
Sem lágrimas, rimas ou prosopopéias
Pobre de mim, poeta inflamado
Sem vergonha de ser poeta sem condições

segunda-feira, 23 de março de 2009

Memórias (Augusto Simões)




Lembro precisamente do peso do teu corpo.
Lembro dos teus cabelos no meu rosto.
Lembro do teu rosto alisando o meu.

Lembro do teu jeito disposto.
Lembro do teu cheiro, teu gosto.
Lembro, com muito gosto, que já foi meu.

Lembro do calor das suas coxas.
Lembro das pernas envoltas.
Lembro o calor no meu quadril.

Lembro das risadas soltas.
Lembro das unhas postas.
Lembro quando quase caiu.

Lembro das velocidades.
Lembro das obscenidades.
Lembro de apelidos que deu.

Lembro das freqüentes novidades.
Lembro de idéias selvagens.
Lembro de uns hábitos seus.

Lembro do sussurro breve.
Lembro do sono leve.
Lembro da hora de acordar.

Lembro da face inerte.
Lembro do “me aperte”.
Lembro de tanto gostar.

Lembro dos olhos.
Lembro dos sonhos.
Lembro de ti.

Lembro o que foste.
Lembro que foste.
Lembro do fim.