quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Fala Baixinho (Pixinguinha)



Fala baixinho só pra eu ouvir
Porque ninguém vai mesmo compreender
Que o nosso amor é bem maior
Que tudo aquilo que eles sentem
Eu acho até que eles nem sentem, não
Espalham coisas só pra disfarçar
Daí então porque se dar
Ouvidos a quem nem sabe gostar

Olha só, meu bem, quando estamos sós
O mundo até parece que foi feito pra nós dois
Tanto amor assim que é melhor guardar
Pois que os invejosos vão querer roubar
A sinceridade é que vale mais
Pode a humanidade se roer de desamor
Vamos só nós dois
Sem olhar pra trás
Sem termos que ligar pra mais ninguém

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Um Tico de Tanto (Augusto Simões)


Meu tanto, meu bem

É um tico de tudo

É um toque, também

É um tareco do mundo

É um tiquinho mais além

.

Meu tico, também

É um tanto absurdo

O tato, ou além

Um tema profundo

Tão pouco, meu bem

.

Meu todo é além

De um tico noturno

Esse tanto, meu bem

Esse toque seguro

É seu tudo, também

.

Meu tudo, meu bem

Tem um nada de turvo

Tem um quê de além

É, trocando em miúdos,

Isso que a gente tem.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ser-se (Augusto Simões)


Deixar-se ser

Severo, sincero,

Apenas ser já é digno

Aparências enganam, já o ser

Ser é, e apenas é

Não finge, não aparenta.

Ser é saber-se

Deixar-se

Ser-se

Nada é mais difícil


Deixe-se, sem aparentar

Fazer de conta é para os contos

O ser sempre aparece

E se não se sabe ser

Quando se tem de ser

Tristemente, desaparece

Adormece

Deixa-se de ter

Aparentar

Nada é mais fácil


Deixe-me ser

Escolher, acolher,

Deixe-me merecer

Poder ser quem sou

Posto que não sei quem não sou

Apenas por ser

Por apenas ser

Nem só por merecer

Conviver

Tanto mais difícil


Deixe-se aparecer

Posto que é só você

Feita como há de ser

Apenas quem pode merecer

Ser tudo o que é você

Não aparente não ser

Só seja,

Pois ser

Já é pra lá de difícil.

Poema Dos Olhos Da Amada (Vinicius de Moraes)


Oh, minha amada
Que os olhos teus

São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus

Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Traduzir-se (Ferreira Gullar)




Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Pobreza (Augusto Simões)

[sem foto por vergonha]


Não componho mais rimas

Tendo (em trocadilho ridículo) que as rimas não me compõem mais

Já me foram tão companheiras as rimas

Mas (mais um trocadilho fraco) as rimas não me acompanham mais

Desde que largue estas rimas

Elas, as rimas (ênfase sem razão alguma), não haverão de me deixar (fraco de dar dor)

É que estas danadas destas rimas

Não vêm, exatamente, por mim (já já eu acabo)

Vêm pelo amor que quando termina

A pobre da rima, sem razão de ser, chega ao pobre fim. (acabei)

(triste, não?)

terça-feira, 29 de junho de 2010

Enriqueça o Amor e Seja Pobre (Augusto Simões)




Não me troque em palavras miúdas

Seres humanos não combinam

Seres humanos compartilham,

Ou não, suas pobres idas e vindas


Não combine pessoas, mas toalhas

Pratos com talheres de prata

Uma roupa com uma bota

Nunca alguém que lhe valha


Combine sim palavras em versos

Sonetos e redondilhas

Folguedos e quadrilhas

Combine sempre os versos mais ternos


Não evada o sentimento nobre

Nada de descontentamento

Nem mesmo sofrimento

Enriqueça o amor e seja pobre


Pobreza de espírito não tem cura

Não alimente riqueza

Perca sua nobreza

Pois o carinho, só, te segura.