quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Traduzir-se (Ferreira Gullar)




Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Pobreza (Augusto Simões)

[sem foto por vergonha]


Não componho mais rimas

Tendo (em trocadilho ridículo) que as rimas não me compõem mais

Já me foram tão companheiras as rimas

Mas (mais um trocadilho fraco) as rimas não me acompanham mais

Desde que largue estas rimas

Elas, as rimas (ênfase sem razão alguma), não haverão de me deixar (fraco de dar dor)

É que estas danadas destas rimas

Não vêm, exatamente, por mim (já já eu acabo)

Vêm pelo amor que quando termina

A pobre da rima, sem razão de ser, chega ao pobre fim. (acabei)

(triste, não?)