quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ser-se (Augusto Simões)


Deixar-se ser

Severo, sincero,

Apenas ser já é digno

Aparências enganam, já o ser

Ser é, e apenas é

Não finge, não aparenta.

Ser é saber-se

Deixar-se

Ser-se

Nada é mais difícil


Deixe-se, sem aparentar

Fazer de conta é para os contos

O ser sempre aparece

E se não se sabe ser

Quando se tem de ser

Tristemente, desaparece

Adormece

Deixa-se de ter

Aparentar

Nada é mais fácil


Deixe-me ser

Escolher, acolher,

Deixe-me merecer

Poder ser quem sou

Posto que não sei quem não sou

Apenas por ser

Por apenas ser

Nem só por merecer

Conviver

Tanto mais difícil


Deixe-se aparecer

Posto que é só você

Feita como há de ser

Apenas quem pode merecer

Ser tudo o que é você

Não aparente não ser

Só seja,

Pois ser

Já é pra lá de difícil.

Poema Dos Olhos Da Amada (Vinicius de Moraes)


Oh, minha amada
Que os olhos teus

São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus

Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus