quarta-feira, 20 de abril de 2022

Amargo


Abrem-se os olhos, cessam os pesadelos sonhados, despertam os reais. 

A cada doce, um amargor. E quando a predominância é do amargor? O livro que introduz o absurdo já não assusta tanto.  Palavras, contos, cantos, todos refletem o pior. Olho por olho, jamais gentileza gera gentileza. Bruto, selvagem seria se não fosse conscientemente racional.

Abandonamos a natureza,  logo depois, a humanidade e, mais atualmente,  a cordialidade.  Bom senso? Luxo. Educação? Frescura. Amor? Estupidez. Ou pior, amor torna-se moeda, obrigação, prisão, violência. 

Perdemos muito e vamos perdendo mais a cada dia. Uma aldeia global transformada em trincheiras. Um mundo globalizado se desune pelas diferenças, pelas opiniões e, até mesmo, opiniões sobre os fatos. A realidade não é mais real, mas. escolhida. Não olhamos nos olhos, mas as telas. Ficamos mais e mais distantes em presença e próximos em ódio. O ódio parece unir o mundo.  

O ser-humano, maior predados de si mesmo, torna-se ainda mais fatal. Já não são apenas pedras arremessadas, mas palavras que vão além da dor física. São frases (copiadas) que se projetam em direção ao desconhecido. O aleatório.  Palavras ditas quando sequer são compreendidas pelo emissor.

Um fim está próximo? Quisera fosse apenas um. Quem dera estivesse próximo. Tortura se mede pelo nível de sadismo. O fio não se rompe enquanto a crueldade o engrossa. "Minha realidade ou nenhuma realidade!", "Ame-o ou deixe-o!"

Não parece racional amar chão, amar um pano desenhado, amar um símbolo. O que gera felicidade? A opinião alheia? O que gera satisfação? Ganhar? 

O mundo está pesando mais. Pessoas estão pesando mais (muito além do peso gravitacional).

Esse é o mundo que vivem os que não veem. Esse é o mundo que vivem os que cegaram pra si mesmo e só conseguem se enxergar quando não há outro como espelho. Esse é o mundo em que o capital, papel, metal,  pedras e roupas valem mais que os que os usam.

Esse não é meu mundo. Ainda sou humano. Ainda me dói ouvir que sou uma boa pessoa por um simples gesto humano. Ainda me aterroriza a ideia de soltar o pior de mim em quem quer que seja. 

Aqui,  um breve lembrete para o caso de, um dia, me tornarem bruto, rígido e mudarem minha natureza. 

Não és isso!

Hoje, apenas amargo,  mas continuo humano.

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